In Coma

-Por que África?

Abrão estica o seu braço direito nas costas de Joel e o puxa para comentar o caso.

-Aqui é o lugar mais próximo de Deus. Vou explicar-lhe o que ainda não entendeu.

Abrão se mostra disposto em comentar o caso com ele:

–Aqui você escuta as pessoas falando do jeito que necessita pra entender. Nem todo mundo está falando a mesma língua, realmente. Nós temos o privilégio de poder nos comunicar. Eu estou falando outra língua e te entendendo da maneira que eu preciso. Aquela menina do seu grupo (a bela garota), por exemplo, você fala pra ela do seu modo e ela te entende ao modo dela. Tudo traduzido conforme a necessidade. Ninguém por exemplo tem a aparência que você enxerga.

-Quer dizer que...

-Tem outra, meu amigo Joel. Tudo o que você vê aqui pertence ao seu mundo. Nem todo mundo vê a mesma cor que você.

-Então, a grama não é verde?

-Lógico que é. Pra você é. Se perguntar pra menina do seu grupo a cor da grama ela dirá que a grama é verde, mas talvez pra ela a grama seja azul e você estará perguntando á ela se a grama é azul. Entendeu?

-Quer dizer que todos estão vivendo...

-Olha, como você vê aquele senhor?

-Negro.

-Ele se parece com você? Ou seja, tem as pernas, as mãos, o corpo, mas não tem a pele?

Joel olha a fisionomia do senhor que está fazendo caretas para o Novo que começa a sorrir.

-Então, Joel! Quer saber como o vejo? – Joel faz sim com a cabeça e olha no fundo dos olhos de Abrão. – Você pra mim não existe!

Pasmo. Choque. Espanto. Perturbação.

-Você pra mim é abstrato, assim por melhor dizer. – arruma Abrão.

Mas o frio na barriga de Joel pressente o fim da vida sem ver Deus. 

-Quer dizer que aquela garota não é o que vejo?

-Ela é o que você vê.

-Mas ela não é desse jeito que sou?

-Pra mim é. – diz Abrão se retirando, fazendo com que Joel reflita sobre sua existência no lugar mais próximo de Deus. – Todos te vêem como querem e te escutam como precisam.

Abrão está próximo ao grupo que brinca com o bebê – ou o Novo chamado África. Joel pensa e dispara um grito.

-(por dentro do fundo do peito no coração da alma)

*