01 August 2006

Da Carne Mística

A festa da música está marcada para começar às oito horas. Não há nada de errado, a equipe de som – que por sinal tem qualidade e profissionalismo – já está com tudo testado e ligado conforme o pedido. Boris está realizado, pois tudo o que sonhou fazer está prestes a acontecer nessa noite. E ele sonha grande, sua festa de música poderá lhe render bons frutos lucrativos e respeitosos. Na cidade pequena todos já admiravam sua forma prestativa e complacente de se relacionar. Ele nunca sentiu tanta emoção em seu coração. Em poucas horas será realizada sua grande festa.
Com tudo organizado para o evento, coisas como luz, som, acentos, cenário, Boris resolve dar uma passadinha na bilheteria. Verificou o bar do salão, tudo nos conformes, água e suco na geladeira, salgados nas prateleiras e fichas, para vender no caixa, contadas. Tranqüilo até certo ponto. Chegou na portaria e sentiu uma forte brisa. Seu Junto, o senhor que há anos é zelador do teatro da cidade, e muito esperto no que se diz respeito ao tempo, avisa o que pode atrapalhar a festa.
-Vai chover e vai chover feio. - disse Seu Junto para a alegria que contagiava o coração de Boris desaparecer em meio segundo. Ele vai para o lado de fora pra constatar de perto o que Seu Junto noticiava com a precisão do interiorano.
-Ventania assim... É temporal na certa - concluiu o zelador.
Boris analisou o vento desacreditando como a força da natureza poderia fracassar seu sonho. Seu mundo desabou em profundo desanimo. Lembrou que antes de dormir agradeceu a Deus por poder concretizar seu festival de música. Lembrou como aquele papo com Deus lhe rendeu um descanso tranqüilo e um confortável prazer de êxito.
Olhou pro céu, sentindo a forte ventania que acabara de fechar bruscamente a porta da bilheteria, e observou a velocidade com que as nuvens iam passando. Viu a última pontinha da lua sendo apagada pela escuridão das nuvens. Em seu ombro sente uma mão. É Derivado Conta, cantor.
- Como vai, Boris? Tudo pronto?
- É, lá dentro está tudo bem, o problema tá aqui fora.
- É verdade, mas essa chuvarada não assusta ninguém, o povo vem.
-Tomara. - disse Boris desanimado -. Vamos passar o som?
Os dois caminharam para entrar no teatro, Boris deixou Derivando Conta entrar primeiro, por gentileza própria e para dar uma última olhada para o céu. Pensou, fixando o olhar pra cima como se encarasse alguém: “Oh, meu Deus!”. E entrou.
Derivando Conta para puxar assunto:
-Vou cantar quantas músicas?
-Quantas você quiser. – respondeu disfarçando sua dor. - Já ensaiou alguma?
-Tenho umas canções minhas, de autoria minha mesmo...
Um dos técnicos de som, que caminhava na direção deles, interrompe o cantor.
-Tem duas mulheres lá atrás do teatro te procurando.
-São as cantoras.
Boris já imagina que todos os artistas devem estar chegando, conforme horário marcado.

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